As bases de unidade (Filipenses 2:1-18)
(Filipos: a primeira igreja em solo europeu, plantada na 2ª viagem missionária de Paulo)
Paulo começa falando aos crentes. Ou pelo menos aos que pensam ser assim. Num certo tom de desafio até, o apóstolo reclama o comportamento que entende ser o dos eleitos, e imediatamente o atrela à prática da unidade. Disso ele se ocupa nos dois primeiros versículos, utilizando termos como “comunhão”, “afetos”, “mesmo”, “mesma”. Unidade que ele já havia reclamado junto aos Coríntios e aos Efésios, em deixado subentendido em várias outras cartas.
Nos versos 3 e 4 ele aponta os elementos que normalmente corroem o sentimento de unidade: a contenda e a vanglória (AEC), “partidarismo ou vanglória” (ARA). A primeira palavra vem do grego ERITHEIAN, que traduz sentimentos de inveja amarga e ambições egoístas. Ou seja, os desejos carnais de marcar presença, ser admirado, dividir o rebanho por facções, exatamente como já havia ocorrido em Corinto (I Coríntios 3), onde os crentes se dividiram no que hoje é popularmente conhecido como “panelinhas”. Lá era a panelinha de Paulo e outra de Apolo. Detalhe: nem Paulo nem Apolo sabiam da existência delas.
Como querer ser espiritual num terreno acidentado desse?
Então Paulo, no final do versículo 3, coloca o dedo na ferida. Quem nós pensamos que somos para nos acharmos melhores do que os outros? O que faz um monte de pó pensar que é melhor que outro monte de pó? No versículo seguinte o apóstolo demonstra que egoísmo não combina com cristianismo, ao contrário, quanto mais preocupado comigo sou, mais de distante de Cristo fico. E no versículo 5 ele mostra o único parâmetro de referência a ser seguido: o próprio Cristo. Se analisarmos o termo original, e como ele é traduzido na Versão do Rei James (KJV), entendemos que, na verdade, não se trata de um simples “sentimento”, mas de um modo de pensar, uma espécie de sabedoria prática, e que tem como padrão a ser seguido o nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo.
Então Paulo começa a expor o que Cristo quer de nós. E ele o faz a partir de seu próprio exemplo, mostrando o que ele foi capaz de fazer, o que ele resolveu fazer, nunca pensando nele mesmo, nunca se preocupando em impor o que ele realmente sempre foi: Maravilhoso Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.
- Mesmo sendo Deus uno com o Pai, não reclamou pra si o trono nem a adoração dos anjos. Nem precisava, em Hebreus 1:6 a Bíblia diz que Cristo Jesus é adorado pelos anjos por ordem do Pai, que o honra. Ora, Deus honra filhos que não agem pensando só em si. Deus honra filhos que sejam capazes de abrir mão de suas vontades pessoais em prol de uma causa maior. Deus honra filhos que não colocam seus interesses particulares na frente de sua Palavra. Assim foi Jesus. Assim foi Abraão, Moisés, João Batista, Paulo... Isso é sinal da presença de Deus na vida de alguém. E isso mantém a unidade da igreja.
- Ele passa de Senhor a servo. De Deus a homem. De Rei a plebeu. O termo grego para o verbo esvaziar é KENOSIS, que na verdade aponta para um ato de renúncia. Logo, ele não deixa de ser Deus, mas renuncia à sua glória celestial junto ao Pai. E o faz por quem não merecia nem merece até hoje: nós. Foi seu esvaziamento, sua renúncia, que nos possibilitou a reconciliação com Deus. Deus honra filhos que renunciam às suas posições de destaque para outros sejam beneficiados. Não foi o que Moisés fez ao escolher seu povo e o deserto? Isso é sinal da presença de Deus na vida de alguém. E isso mantém a unidade da igreja.
- Observe o versículo 8. Uma vez tendo se tornado um como nós, ele não se deu por satisfeito. Muitas vezes até reconhecemos que somos todos iguais, mas muitas vezes também nos recusamos a agir de acordo com essa verdade. Sabemos que, aos olhos de Deus, não somos superiores a ninguém. Mas será que vivemos de acordo com essa verdade? Será que bem no fundo de nossos pensamentos não acabamos nos colocando em um patamar superior a alguém, simplesmente por achar que aquela pessoa, por algum motivo, é menos importante do que nós. O que faz alguém achar que é importante?
Pois bem, a única pessoa verdadeiramente importante que já passou nesta terra tomou o caminho contrário aos das nossas vaidades. Se fez carne para transformar carnais em espirituais. E para que isso acontecesse, primeiro, humilhou-se a si mesmo. Desceu do trono da glória e viveu a vida dos mortais (nasceu, cresceu, sentiu dor, sede, fome, morreu). Só consegue ser verdadeiramente humilde quem realmente entende que não é melhor do que ninguém, e vive desta forma. Ele, em nenhum momento de sua vida, quis demonstrar superioridade. Era Senhor, mas não se apresentava desta forma. Era Deus, mas não exigia adoração. Era o dono de todas as coisas, mas disse não ter onde recostar sua cabeça. Deus honra filhos assim, que fazem de tudo para não receber a glória dos homens.
Mas ainda faltava algo. Uma missão a ser cumprida. E isso só seria possível com obediência. Humildade sem obediência seria o equivalente a inteligência sem sabedoria. Você tem uma coisa boa nas mãos, mas não sabe como usá-la corretamente. A unidade da igreja de Cristo é construída à custa da humildade de suas ovelhas. Coloque pessoas soberbas à frente do rebanho e veja o estrago que acontece. O mundo está cheio de gente com os mais variados complexos de vaidade. Há os com complexo de Nabucodonosor, que se acham os únicos responsáveis por suas conquistas. Há os com complexo de Saul, que se acham capazes de servir a Deus desprezando autoridades espirituais. O complexo de Herodes, que afeta pessoas que amam um elogio. O complexo de fariseu, cujo principal sintoma é mania de querer parecer mais santo do que verdadeiramente é. E finalmente o complexo de Naamã, que é caracterizado por gente com pouca ou nenhuma santidade, mas que adora dar palpites nas coisas de Deus. Cristo foi pelo caminho contrário. Deus honra filhos assim, que preferem obedecer a sacrificar. Humildade com obediência são sinais de Deus em nossa vida. E isso mantém a unidade da igreja. E não dá para falar em unidade sem esses princípios. Sem eles o discurso é vazio e não passa de falácia superficial. Unidade verdadeira só é conseguida à base de muito sacrifício pessoal.
Havia na igreja de Filipos duas mulheres que se desentenderam, de tal maneira que Paulo cita os seus nomes (4:2). Estavam colocando em risco a unidade da igreja do Senhor, pelo que o apóstolo rogou a elas que se ajeitassem. Observe que ele o fez publicamente, tanto que as cartas enviadas por ele eram lidas para toda a congregação. Toda a igreja tomou conhecimento do mal estar que aquelas duas estavam causando, e do prejuízo espiritual que estavam dando à igreja, por conta de alguma coisa que certamente não valia a pena.
Deus honra filhos que lutam pela unidade da igreja. Eles são chamados de pacificadores, e só então reconhecidos como filhos de Deus (Mateus 5:9). É fácil falar de paz. De união. De comunhão. Difícil é viver uma vida que me dê autoridade para falar dessas coisas. Mas fica o exemplo de Jesus, o único que importa ser seguido.
Neto Curvina